quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O atendente.

Era a última quarta-feira de abril. O sol castigava os habitantes da pequena Tabira e, como a feira principal da cidade era nesse dia, o excesso de pessoas contribuíra para um calor insuportável e uma poluição sonora na base de gritos dos feirantes e as difusoras dos carros de som.
Naquele dia me acordei com o miolo azedo. Tinha 16 anos, estudava à tarde magistério e à noite, Ensino Médio, tinha afazeres em casa e uma TPM daquelas. Naquela quarta fui presenteada com uma cólica anormal, ao mesmo tempo comum às moiçolas de minha idade. Fui correndo para o banheiro e notei uma mancha vermelha e viva na calcinha. Fazia 3 anos que tinha ocorrido minha menarca mas ainda não tinha me conformado em deixar de ser a "menina de painho" pra ser a "moça de mainha".
Após tomar meu café, minha mãe me chama para fazer compras na feira. Eu odiava, pois na minha mente os maiores burburinhos e fofocas sempre ocorriam na feira, sem contar que aquele monte de gente me apertando me deixava mais irada, principalmente na minha terrível TPM. Chorei, esperneei, pedi a pelo amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo que não me levasse, que estava com o corpo doendo, mas não teve jeito: O ultimato de Dona Graças só tinha uma alternativa, e esta era ir pra feira e ponto final.
Fui com as cólicas e olheiras roxas pela TPM e vermelhas pela nuvem de lágrimas que tinha feito em casa. Senti-me mal quando cheguei na praça, fiquei branca. O moreno da minha pele sumia dolorosamente e meus lábios, normalmente rosados, ficaram cianos. Estava gelada e sentia uma brisa escura. Pensei que ia morrer, quando realmente minha mãe percebeu que estava morrendo, disse preocupada:
- Vamos à farmácia...
No interior, a ausência de ginecologista era grande e na minha época as mulheres ainda relutavam em passar com médicos ginecologistas, e preferiam as mulheres. Daí o melhor jeito era ir nas farmácias e saber o que tinha de melhor para sintomas da menstruação.
Chegamos na farmácia, a melhor da época. Um rapaz veio nos atender. Lindo: nariz delicado, boca desenhada simetricamente, sorriso perfeito e pele branca. Os cabelos castanhos bem cortados faziam poesia ao aferir minha pressão arterial.
- o que a "moça" tem, Dona Graças.
-Cólicas, irmão. 16 anos e sofre de cólicas todos os meses. É um bebêzão...
Nessa hora quis morrer de verdade. Virei camaleoa, o branco dava lugar ao vermelho da vergonha. Não tem necessidade de me chamar de bebê, mas minha mãe insistia (só se deu conta que não era mais bebê há 4 anos).
- Esse é o melhor: ******* (não vou fazer mershandising), a moça quer tomar aqui?- perguntou olhando fixamente para mim. Fascinada, balancei a cabeça.
Tomei a medicação e aos poucos a dor foi passando. No mundo teen tem as histórias em quadrinhos que sempre tem a mocinha e o herói. Naquele dia senti que tinha encontrado o meu herói, um anjo...
Aquela quarta-feira ficou marcada na minha mente e foi uma das únicas que gostei. A sensação de liberdade de movimentos juntou com a descoberta do amor adolescente. Minha última paixonite tinha sido o tecladista da minha Igreja na época, mas como ele namorava minha amiga, abdiquei pois nunca quis furar o olho de ninguém.
Fiquei curada das cólicas mas com dor no coração... Graças ao atendente.

Nenhum comentário: